terça-feira, 10 de dezembro de 2013



IDEIAS
12
EXTRA CLASSE Agosto /2010
Foto: Lívia Motta / Arquivo Pessoal / Divulgação
“A audiodescrição é uma mágica
que faz os cegos enxergarem”
A
audiodescrição é uma mágica
que faz os cegos enxergarem”
– esse foi o comentário feito
por Roberto, pessoa com defici
-
ência visual, de Campo Grande,
logo após o término da ópera Rigoletto, no
Theatro São Pedro, em São Paulo na últi
-
ma semana de julho. A expressão, que para
muitos pode parecer exagerada e utópica,
traduz com clareza o que significa este re
-
curso de acessibilidade para as pessoas com
deficiência visual. A famosa ópera de Verdi,
que conta a história de amor, vingança e
morte do corcunda Rigoletto, bufão da cor
-
te do Duque de Mantova, e de sua ingênua
filha, Gilda, pôde ser conhecida e compre
-
endida em toda a sua complexidade e deta
-
lhes cênicos por Roberto e por outras mui
-
tas pessoas com deficiência visual presentes
nas cinco récitas desse espetáculo grandio
-
so, com direção cênica de Lívia Sabag.
Com a audiodescrição e leitura das
legendas, as conquistas e desventuras amo
-
rosas do Duque de Mantova, o jeito zom
-
beteiro, irônico, debochado e impiedoso de
Rigoletto como bobo da corte e, ao mesmo
tempo, seu zelo e preocupação de pai apaixona
-
do, e sua amargura pela sua condição de pessoa
com deficiência física; a decepção de Gilda com a
traição do amado, as armações do assassino pro
-
fissional Sparafucile e de sua irmã Maddalena; os
salões do palácio, a casa de Rigoletto, a estalagem
rústica de Sparafucile, as roupas dos nobres e os
vestidos das damas da corte, tudo isso pôde ser
vivenciado, em igualdade de oportunidades, sem
barreiras comunicacionais que tanto impedem o
pleno acesso às informações e ao mundo dos es
-
petáculos.
Desde o ano passado, quando foram apre
-
sentadas as óperas: Cavalleria Rusticana, Pagliac
-
ci e O Barbeiro de Sevilha, que o Theatro São
Pedro, contando com a parceria da Vivo, passou
a ser um lugar acessível para as pessoas com defi
-
ciência visual. Lá foram instalados equipamentos
como cabine, mesa de som, fones de ouvido e re
-
ceptores para que os audiodescritores pudessem
narrar, com detalhes, cenários, figurinos e as ações
dos solistas no palco, além de descrever o bonito e
histórico Theatro São Pedro.
A audiodescrição é, pois, um recurso de aces
-
sibilidade que amplia o entendimento das pes
-
soas com deficiência visual em eventos culturais
(peças de teatro, programas de TV, exposições,
mostras, musicais, óperas, desfiles, espetáculos
de dança), turísticos (passeios, visitas), esportivos
(jogos, lutas, competições), acadêmicos (palestras,
seminários, congressos, aulas, feiras de ciências,
experimentos científicos, histórias) e outros, por
meio de informação sonora. Transforma o visu
-
al em verbal, abrindo possibilidades maiores de
acesso à cultura e à informação, contribuindo
para a inclusão cultural, social e escolar. Além das
pessoas com deficiência visual, a audiodescrição
amplia também o entendimento de pessoas com
deficiência intelectual, idosos e disléxicos.
Conhecendo esse potencial inclusivo do
recurso e sua aplicabilidade, professores podem
fazer uso dele em sala de aula, descrevendo o
universo imagético presente na escola como ilus
-
trações nos livros didáticos e livros de história,
gráficos, mapas, vídeos, fotografias, experimentos
científicos, desenhos, feiras de ciências, visitas
culturais, dentre outros, sem precisar de equipa
-
mentos para tal, mas cientes da importância de
verbalizar aquilo que é visual. Isso, certamente,
irá contribuir para a aprendizagem de todos os
alunos e não somente dos alunos com deficiência
visual. Estes ganharão em independência e auto
-
nomia, além de mais oportunidades de aprendi
-
zagem e conhecimento de mundo, e aqueles que
descrevem poderão desenvolver o senso de ob
-
servação, repertório linguístico e fluência verbal.
Não dá mais para nós, professores, ficarmos
fora desse grande movimento inclusivo que vem
chegando a todos os contextos. Cabe-nos, tam
-
bém, a preocupação com a remoção de barreiras
comunicacionais e, principalmente, atitudinais,
que tanto impedem a transformação da escola
em um lugar possível para a diferença. E nossa
mobilização, certamente, poderá provocar:
Um voo de muitas asas,
que fazem uma brisa forte,
brisa de novos ares,
que arrepia mares,
atrapalha os cabelos,
e joga papéis velhos
e velhos papéis para o alto,
e para os mesmos lugares,
nunca mais eles voltam ...
* Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC de São Paulo e atua na área de inclusão cultural das pessoas com deficiência visual, com foco na formação de
audiodescritores para teatro, cinema, TV e outros espetáculos, eventos sociais e pedagógicos. É coordenadora de acessibilidade do Programa Vivo Ence

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